Conto – 2º Epis.

Os Mensageiros

Behind the World Stage, de Alois Scheuer,

Havia quem comentasse, quem perguntasse, quem soubesse e quem não soubesse do que se tratava, quem apoiasse e até quem mostrasse preocupação pela segurança dos anjos mensageiros. Afinal não se tratava de uma alucinação. Eram anjos! Foi ouvindo os comentários aqui e ali. Não foi difícil apanhar o essencial. Jovens da pequena igreja cristã Canto de los Salmos apelavam assim ao fim da violência implacável e da criminalidade em Juárez. Arriscando a própria vida, os ousados anjos mensageiros davam expressão à sua revolta contra os crimes cometidos pelos sicários, procurando tocar-lhes a consciência. Em pouco tempo, apareceram as autoridades. Sentia-se no ar um cheiro fétido, pestilento, repulsivo. Cheirava a crime organizado, a corrupção, a morte, a dor. As autoridades disseram que os anjos tinham que partir. Partiram. Lupe partiu também, arrastando as pernas tumefactas, desfiguradas, hesitantes.

Seguiu sem rumo. Andou. Perdeu-se. Reencontrou o caminho. Pensou. Pensou muito. Sentiu que tinha que pensar ainda mais. Era quinta-feira, 10 de Dezembro. Daí a dois dias seria dia de Nossa Senhora de Guadalupe, a Santa padroeira, a madrinha que lhe dera o nome. 12 de Dezembro. Lupe completaria 32 anos. Guadalupe Lupe Carrillo e Pepe Gómez unir-se-iam a 12 de Dezembro pelos sagrados laços do matrimónio. Esperara ansiosamente por esse dia, que parecia agora cada vez mais distante e difícil de se converter em realidade. 12 de Dezembro, dia de emoções, de paixões, de peregrinações, de interrogações, de desilusões. Pepe deixara de dar notícias. O que quereria isso dizer? O casamento parecia já não fazer sentido. Dentro de si, a ideia deixara de pulsar. Havia qualquer coisa muito estranha no meio de tudo isto. Um vazio, parecera-lhe de início. Algo que tem vindo a modificar-se, à medida que os dias vão passando.

Ao terceiro dia sem notícias de Pepe, decidira falar com seu irmão Poncho. Uma conversa estranha, diga-se. Poncho, já por si de poucas falas, não dava mostras de grande abertura. Falava da situação e da falta de notícias do irmão como de uma inevitabilidade. Algo por que se esperava a qualquer momento. Mais dia menos dia. Lupe não percebera. Aquela conversa perturbara-a. Levantara-lhe dúvidas. Causara-lhe desconforto. Aquilo não podia ser normal. Que quietude aparente era aquela? Ninguém sabia do irmão há uns dias e a reação dele era aquela? Ainda assim, notava-se o travo azedo das poucas palavras que proferia, dos gestos, do retorcer das mãos, dos olhares desconcentrados. Desde esse dia, aquele nó que se formara na garganta de Lupe, descera ao peito e depois se estirara no estômago, jamais desaparecera. Porém, aquilo que começara por ser um nó muito apertado, dera lugar a uma laçada bem conseguida, mas que, a qualquer momento, se soltaria e transformaria noutra coisa qualquer. Tudo isto bulia na cabeça de Lupe. Assaltavam-na pensamentos que queria ignorar, que a desconcertavam, que lhe aceleravam o ritmo cardíaco quase até à explosão. (Continua)

                                                                                                                        Por: Sara Loureiro

Sobre Salou

Sara Loureiro (SALOU) segue um caminho que reconhece que é o Seu: o da aprendizagem e busca constantes.
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